Ainda é preciso falar sobre o crime ecológico de Mariana. Não esquecer o que fizeram à natureza e que ainda nos trará amargas consequências. Deixo abaixo, um texto redigido pelo Naelson Almeida. Traduz a insatisfação de alguém que, mesmo distante, também sofre os horrores da tragédia e sabe que ela ainda nos acompanhará por muitos anos. Mas, ele nos mostra a tragédia com uma visão diferenciada. Somos todos vítimas e cúmplices ao mesmo tempo.
Hoje, na época da publicação dessa matéria, a mancha de lama já havia atingido o litoral sul da Bahia. O turismo do litoral capixaba e baiano já sofrem com as consequências. Muitas histórias amargas ainda serão contadas:
"A tragédia de Mariana já é
tida como o pior desastre ambiental do Brasil, com consequências que vão
impactar a população e um ecossistema inteiro por anos a fio. Logo que as
noticias começaram a se disseminar, a caça aos responsáveis se instalou e
mergulhamos numa bolha de competição, raiva e culpas.
Mas, sem desmerecer a dor e
sofrimento daqueles que a lama impactou, digo que não há culpados
personificados, pessoas em quem podemos jogar toda a responsabilidade pelo
ocorrido. Não há para quem apontar o dedo que não seja para nós mesmos. Somos
todos vitimas e ajudantes da tragédia.
Antes do tsunami de lama
varrer cidades inteiras, já havia lagos enormes, represas gigantescas,
espalhadas pelo Brasil e o mundo, desenhadas para armazenar rejeitos, refugos,
resíduos tóxicos, para os quais não vemos utilidade. E nós não dissemos nada,
achamos normal.
Antes das barragens
existirem, aceitamos a instalação de uma indústria que impacta a biosfera, que
abre buracos enormes no chão, que move montanhas para tirar de lá os materiais
que constroem nossa identidade. E nós não dissemos nada, achamos normal.
Seguimos sustentando essa
indústria com o nosso padrão de vida, comprando e consumindo desenfreadamente,
sem pensar no impacto que a nossa fome por novos “brinquedos” causa no mundo. E
nós não dissemos nada, achamos normal.
Compramos e consumimos sendo
levados pela nossa carência e ansiedade, pela nossa necessidade de novidades,
pela nossa incapacidade de ver os impulsos surgindo e nos arrastando. E nós não
fizemos nada, achamos normal.
Quando digo que nada
fizemos, quero dizer que não desenvolvemos a curiosidade de entender como nossa
mente opera e como isso interfere na nossa ação no mundo. Não desenvolvemos
nossa atenção e consciência para sacar que nós não precisamos daquilo que as
propagandas vendem como felicidade. Não duvidamos da nossa aposta de felicidade
em coisas e condições externas. Não suspeitamos que, desenvolver nosso consumo
consciente e economia da atenção possa ajudar a resolver vários dos problemas
modernos.
Cada um de nós tem um pouco
da lama de Mariana respingada no rosto.
Que possamos usar das
imagens e informações do desastre para fazermos um autoexame e questionar nossa
participação nisso tudo. Que possamos aproveitar que o impacto e terror ainda
estão frescos nas nossas mentes para tentarmos simplificar mais e mais a vida,
o cotidiano, o tempo e as necessidades materiais, como forma de ajudar o
planeta e salvar vidas no futuro.
Que possamos cultivar a
autocompaixão, a compaixão pelos que foram atingidos pela tragédia, a compaixão
pelos que estão ajudando, mas também, que possamos cultivar a compaixão pelos
empregados e dirigentes das empresas envolvidas, que estão acometidos pelos
mesmos obstáculos que nós.
Este não é um chamado para
volta à idade da pedra e nem é uma tentativa de relativizar as devidas
responsabilidades, é apenas a lembrança de que podemos respirar e lembrar de
Mariana antes da nossa próxima compra." (Naelson Almeida)