domingo, 5 de junho de 2011

CORAÇÃO DOS ANDES (José Rosário)

FREDERIC CHURCH - Coração dos Andes
Óleo sobre tela - 167,9 x 302,9
Museu Metropolitano de Nova Iorque

Pensei em inúmeras maneiras para começar a falar sobre o Frederic Church e nenhuma se mostrou mais sensata e justa do que falar de sua obra mais famosa, um quadro que por si só, tem histórias e curiosidades suficientes para formar um livro.
Certas obras tem mesmo o dom de falar pelo artista, e são quase a sua vida. Da Vinci e a Monalisa tem igual significado em nossas lembranças, assim como Portinari e seus retirantes da seca, Gustave Eiffel e sua torre, Tarsila e o Abaporu, Picasso e Guernica... Faria uma extensa lista de obras que se tornaram o rótulo mais que perfeito para representar seus criadores. Não é todo artista que tem a felicidade de produzir um “rótulo” do calibre de Coração dos Andes. Frederic Edwin Church teve.

Detalhe 1

Detalhe 2

Detalhe 3

No ano de 1853 e também 1857, Frederic Church visitou o Equador e a Colômbia, financiado pelo empresário Cyrus West Field. Tido como um dos grandes pintores de paisagens de sua geração, Church tinha a missão de, com suas obras, atrair investidores para projetos que Field iniciava na América do Sul.
Influenciado pelas teorias de Alexander von Humboldt, famoso cientista naturalista da Prússia, Church refez os caminhos percorridos por ele. Mas não esteve por lá sozinho. Em sua segunda viagem, junto com Charles Mignot Remy, outro grande pintor amigo seu, desembarcaram em Guaiaquil e seguiram até o interior, de encontro aos vulcões Chimborazo, Cotopáxi e Sangay, e muitas outras cadeias de montanhas que compõe a Cordilheira dos Andes naquela região. Uma série de estudos de lagos, rios e montanhas lhe formaram material suficiente para depois, no seu estúdio em Manhattan, Nova Iorque, elaborar as suas obras sobre o que havia visto em suas andanças. Desse trajeto, nasceram diversas telas. No ano de 1859, pintava o que veio a ser, o seu maior produto daquelas viagens: Coração dos Andes.
Medindo 167,9 x 302,9 centímetros, esse óleo sobre tela é hoje um dos principais atrativos do Museu Metropolitano de Nova Iorque.

FREDERIC CHURCH - Cena dos Andes - 1854

FREDERIC CHURCH - Cena no Madalena - 1854

FREDERIC CHURCH - Cena no Madalena - 1854

Havia muitos ideais envolvidos em todos os trabalhos de Church, durante toda sua vida.
Com referência dos pensamentos do escritor inglês John Ruskin, e também do anglo-irlandês Edmund Burke, e cujas idéias eram também compartilhadas por muitos outros artistas contemporâneos seus, as viagens ao continente sul americano eram a tentativa de confirmar teorias que procuravam comungar os estudos científicos de até então, com a incrível e complexa variedade da criação divina, defendida por todos os adeptos desses mesmos raciocínios. Suas observações levavam ao conceito de que era impossível existir tamanha variedade sobre o planeta, não fosse o gênio arquitetado por um pensamento superior, daí o grande apoio declarado pela igreja da época. A afirmação de Humboldt, de que Chimborazo, vulcão equatoriano, semelhava em termos de beleza e perfeição a uma cúpula de Michelangelo, em Roma, certamente inspirou Chuch para coloca-lo como o centro de atenções para a composição de Coração dos Andes.

FREDERIC CHURCH - Cotopaxi - 1855

FREDERIC CHURCH - Manhã tropical, montanhas do Equador - 1855

FREDERIC CHURCH - Monte Chimborazo, Equador - 1857

Muitos pontos na obra são interpretados como símbolos previamente pensados e escolhidos por Frederic Church, reunindo princípios de que a Arte, a moral e o mundo natural são pensamentos unificados.
Como membro da Escola do Rio Hudson, Church também compartilhava do princípio da diferença entre o pitoresco e o sublime. Controvérsias a respeito, julgavam que o pitoresco estava ligado diretamente ao simples, pequeno e aparentemente delicado. O sublime, porém, representava o que era imponente, grande e aparentemente forte. Analogias que podem ter influenciado na escolha pela dimensão da tela. Uma outra característica de vários artistas da Escola do Rio Hudson, e entre eles incluía Church, era representar os ambientes de seus temas com toda precisão científica que eles mereciam, mas também harmonizar todos os elementos da composição da melhor maneira possível, que formassem uma obra quase idealizada, com um pé na realidade e outro na imaginação. Se o objetivo maior era causar impacto, ele foi plenamente alcançado.

FREDERIC CHURCH - Palmeiras Tamaca - 1854

FREDERIC CHURCH - Paisagem sul-americana - 1856

FREDERIC CHURCH - Vista do Cotopaxi - 1857

Toda a obra está recheada de símbolos. Como artista, acredito que muitos devem ter sido realmente pensados por Church, mas creio que grande parte deles é fruto da imaginação de críticos da arte. Vou citar alguns, que se situam entre a obra física e a obra idealizada. O Monte Chimborazo aparece à distância, com suas neves alvas e forma esplêndida. Sua silhueta foi realçada pelo entorno de montanhas sombreadas, obrigando o olhar em direção ao horizonte. A presença humana está nas minúsculas imagens ao pé de uma cruz e de uma pequena aldeia hispano-colonial formada ao fundo. A pequenez destas imagens pode realmente levar a crer que Church quis posicionar o real tamanho do homem diante da grandeza majestosa da natureza que o cerca. Alguns sugerem que a presença de uma cruz seja a coexistência pacífica entre a religião e a paisagem. A assinatura de Church, entalhada na árvore do primeiro plano à esquerda, quer dizer para alguns, a capacidade do homem de domar a natureza. Para outros, ela foi entalhada na única árvore morta da composição, dado que atesta que o domínio sobre a natureza é algo bem frágil.
Em um espaço vasto próximo ao centro da tela, há um planalto, um gramado amplo que termina abruptamente em uma escarpa que abriga uma floresta e uma vila, cujas imagens estão refletidas numa plácida margem do rio. Bem próximo ao primeiro plano não há como passar despercebido pela névoa que exala da grande queda d’água. E o que não dizer, então, do emaranhado da vegetação que se forma por diversos lados. No canto inferior direito, várias texturas de samambaias, folhagens, cascas, raízes expostas, até a presença de diversas espécies de aves, entre eles muito bem destacado por sinal, o quetzal, ave símbolo dos Andes equatorianos.

FREDERIC CHURCH - Por de sol

FREDERIC CHURCH - Luz no ermo - 1860

FREDERIC CHURCH - Autumn - 1875

Num grande campo bidimensional que é a tela, Church consegue criar uma sensação de profundidade incrível de se ver. Os objetos e a paisagem se recuam, mas mesmo ainda distantes, todos eles são vistos nitidamente. Algo que a lógica pictórica não explica e que nem os próprios olhos conseguem fazer, ver o que está perto e distante ao mesmo tempo. A paleta também foi rigorosamente escolhida: verdes azuis e vibrantes, azuis de todos os tons, ocres e todos os variantes de terra que não disputam em nenhum momento, em isolado, o nosso olhar. Comungam uma só cena.

FREDERIC CHURCH - Chimborazo - 1864

FREDERIC CHURCH - Os icebergs - 1861

Entre os dias 29 de abril e 23 de maio de 1959, o novo prédio da York’s Studio, na West 10th Street, em Nova Iorque, se abria para a primeira exposição pública de Coração dos Andes. Até então, nenhum evento para exposição de arte havia atraído tamanho público. Mais de 12.000 pessoas pagaram 25 centavos para ver a pintura, e até nos últimos dias da mostra, filas inteiras se formavam para entrar na sala de exposição. Aquela foi somente a primeira de uma road-show que incluiria diversas cidades americanas. Uma moldura envolvente com cortinas decorando, aumentaram ainda mais a sensação de que, o que se via à frente, era realmente a vista de uma janela aberta para o paraíso. Até binóculos foram oferecidos para que a apreciação se fizesse no máximo de detalhes. Na mostra em St Louis, Mark Twain ficou maravilhado com o infindável número de folhas e troncos, que fixava o olhar de todos que ali passavam. Ele escreveu:

“Você nunca vai se cansar de olhar 
para o quadro...
Indo embora, você poderá encontrar alívio, 
mas não se pode afastar a imagem, 
ela permanece ainda com você. 
Está em minha mente agora, 
e não há o menor recurso 
que possa removê-la.”

FREDERIC CHURCH - Niagara Falls

O quadro foi aclamado em infindáveis textos e poemas, críticas e referências. Acabou sendo vendido por U$ 10.000. O maior valor já alcançado até então, por uma obra de um americano vivo. Foi adquirida por Margaret Dows, viúva de David Dows. Com sua morte, o quadro ficou de legado para o Museu Metropolitano, em 1909. Em 1993, o museu realizou uma exposição procurando reproduzir as mesmas condições da exposição de lançamento em 1859.
Ainda não tive a honra de vê-lo pessoalmente. Chegará o dia em que as visões de Twain venham me fazer companhia.



Frederic Edwin Church
Nasceu em 4 de maio de 1826, em Hartford, Connecticut.
Faleceu em 7 de abril de 1900.
Foi aluno do artista Thomas Cole.
Church era filho de um próspero ourives e relojoeiro da cidade de
Hartford. A boa condição financeira da família permitiu que iniciasse
nas artes bem cedo. Em maio de 1848 já era o mais novo associado
da National Academy of Design e promovido ao Acadêmico, logo
no ano seguinte.
Em 1860 casou-se com Isabel Cornes. Perderam duas crianças
recém-nascidas por difteria, mas a família se refez com o nascimento
do pequeno Frederic Joseph em 1866. Quando já estavam com
quatro filhos, começaram a viajar juntos e foram à Europa e 
Oriente Médio.
À partir de 1876, uma artrite reumatóide comprometeu seriamente 
os movimentos de seu braço direito, obrigando Church a
passar a utilizar o braço esquerdo. E ele continuou produzindo,
porém em ritmo bem lento. Progressivamente, nos próximos
20 anos, Church foi se dedicando mais à casa e quase
não pintava mais, até o seu falecimento.
Ele está enterrado no Cemitério Bosque da Primavera,
em Harford, Connecticut.

5 comentários:

  1. Valeu pela vinda Macário. Sei que você em o dom de achar umas raridades musicais. Gostaria de ver algum dia, por lá, algo do The Jeff Healey Band.
    Abraço!

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  2. mais um esplêndido artista! suas obras têm um fôlego excepcional. nem ligo tanto para aquelas "viagens" interpretativas, prendo-me mais na riqueza dos detalhes na imensa tranquilidade de suas vistas. aliás, fez-me lembrar o bierstadt, de quem gosto imensamente. porém ele (bierstadt) me parece mais espetaculoso, cheio de efeitos dramáticos, enquanto o church tende mais à calma. não sei porque, aliás, sei, me fez lembrar também do nosso facchinetti, naquelas incríveis vistas de teresópolis ou de são tomé das letras: aqueles panoramas imensos que parecem não ter fim. bravo, mais uma vez, rosário!
    paulo de carvalho

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  3. aliás, só para complementar: bierstadt também está a merecer um post caprichado, pois não?
    paulo de carvalho

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  4. Pois é, Paulo. Você acabou adiantando meu próximo e-mail. O Facchinetti já está a caminho. A matéria do Biersadt será ainda mais especial.

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